Tinteiro: #000
"Zona de interesse", ambientado às margens do Holocausto, exercita a arte do não dito
Olá, gente querida! Este é o protótipo de uma newsletter semanal que estou desenvolvendo, Tinteiro. Será algo como um caderno de brevíssimas anotações de experiências culturais que compartilharei semanalmente. A ideia é que o tempo de leitura total não ultrapasse 3 minutos. Testarei este modelo por algumas semanas antes de divulgá-lo publicamente, então conto com o retorno sincero de vocês (todo mundo aqui tem o meu zap). Seus comentários serão uma ajuda preciosa. E, claro, quem não quiser receber, é só avisar que eu tiro da lista, sem mágoa nem rancor.
UM FILME
MICROSSINOPSE: Hedwig está fula da vida porque seu marido, um oficial da SS, será transferido. Ela não quer deixar a perfeita vida idílica que leva com sua família na casa, com jardim e piscina, que divide muro com o campo de extermínio de Auschwitz.
O QUE EU ACHO: Talvez esteja aí meu preferido do Oscar 2024. O diretor Jonathan Glazer não precisa mais do que meia hora para, através de silêncios, elipses e não ditos, nos horrorizar com a banalização da crueldade humana.
ONDE ASSISTIR: Está em cartaz nos cinemas. Em Juiz de Fora, em uma mísera sessão às 22h30 no Independência.
UMA SÉRIE
MICROSSINOPSE: Rincão do Alasca. Aonde só vão pessoas problemáticas, por fuga ou castigo. Um bando de machos aparece congelado com cara de quem viu o demo. Duas policiais problemáticas, em fuga e castigo, terão de desvendar o mistério.
O QUE EU ACHO: Qualquer projeto de “True Detective” será assombrado pela inigualável primeira temporada. Ainda que supere a segunda e a terceira, “Night country”, como que oprimida pela escuridão e a neve, não chega a deslanchar de verdade. Ainda assim, vale a espiada.
ONDE ASSISTIR: Na Max (antiga HBO).
UM SOM
Li esta semana a notícia de que a atriz e cantora Juliette Lewis anda a reunir sua banda, Juliette and The Licks. Diz ela que devem lançar um EP ainda este ano. Isso me fez lembrar desse álbum absolutamente memorável de 2006. É uma coleção de rocks e punks nervosos e garageiros, autênticos, espirituosos e energéticos, encorpados pela cozinha furiosa de um baterista convidado, um certo Dave Grohl. Afasta as cadeiras e dá o play aí.
QUER AO VIVO? AÍ, Ó:
UM FRAGMENTO
“Depois fiquei relendo o que Babel contou a Konstantin Paustovsky sobre sua técnica de escrever. Não leio mais essas confissões de escritores. Sempre foram muito prejudiciais. Elas me fizeram pensar que existem métodos e técnicas. Não existe nada. Cada escritor constrói a si mesmo como pode. Sozinho. Sem ouvir ninguém. Isso é dilacerante, mas não há outro jeito.
Extraído do conto “Um dia eu estava esgotado”, da “Trilogia suja de Havana” (1998), de Pedro Juan Gutiérrez, que estou lendo há umas semanas e recomendo (mas só àqueles não sensíveis a sexo e palavrões, e chegados a um certo brutalismo, a relatos crus da decadência humana - como os de Bukowski - e a doses desmedidas de aspereza e melancolia recolhidas na crise econômica cubana nos anos 1990).
UM MICRORRELATO
Cansado da mediocridade, Zulmar bolou um assalto de cinema. Comprou roupa preta pro bando todo, maçarico e cilindro de oxigênio. Atacariam de madrugada, em silêncio, como ninjas. Fariam o vigia, Seu Geninho, de refém sem machucá-lo. Cortariam o cofre e sairiam como entraram: sombras sob a chuva. Nada disso mudaria, todavia, o fato de que estariam roubando dinheiro de coxinha, PF e Guaravita.
W. Del Guiducci, 27/02/2024
POSTEI E SAÍ CORRENDO
Tem um trecho de diálogo do filme “A pior pessoa do mundo”, que está na Netflix, que não sai da minha cabeça por esses dias. É uma fala do personagem Aksel, namorado da protagonista, que lá pelas tantas diz:
"Eu cresci em uma época em que a cultura era passada adiante através de objetos. Eles eram interessantes porque… a gente podia viver entre eles. Podia pegá-los. Segurá-los nas nossas mãos.”
E aqui estou eu, trocando cultura com vocês através de códigos de dois dígitos que, bem, não podemos segurar nas mãos.
Excelente Wendell!!!👏👏👏