Tinteiro #013: A coisa tá russa, Gojira!
A newsletter desta semana fala de um cavalheiro em Moscou, Anton Tchékhov e, pra quebrar a hegemonia soviética, um Godzilla que vocês precisam ver
Salve, queridagem! Abro esta missiva - predominantemente soviética, admito - pedindo desculpas pela barrigada de semana passada: “Your Honor” estreou, de fato, na Netflix… mas lá nos States. No Brasil, as duas temporadas seguem disponíveis apenas no Paramount+. Também na semana passada, abri mão da versão em áudio da crônica, mas tomei um puxão de orelha do amigo Dudu Monsanto e, pra quem curte a vibe “podcaster solitário”, a Cronimétrica lida em voz alta está de volta, com as cordiais saudações rubro-negras. Arriba!😉😘
UM FILME
MICROSSINOPSE: Atormentado pela vergonha, kamikaze que desistiu de se matar na Segunda Guerra tem a chance de se redimir enfrentando calango terremótico, lagartixa tsunâmica turbinada por testes atômicos.
EU ACHO QUE: “Godzilla Minus One” (Takashi Yamazaki, 2023) vai além de um filme de monstro ou um filme-catástrofe: é uma alegoria de meio século de traumas, um chamado à vida para um povo cercado pela morte no ar, na terra, no fogo e na água. E os efeitos visuais são um desbunde, tá?
ONDE VER: “Godzilla Minus One” está disponível na Netflix.🦖
UMA SÉRIE
MICROSSINOPSE: Por ser herdeiro e nada mais, aristocrata é colocado em prisão domiciliar perpétua em um hotel de luxo em Moscou, de onde assiste à transformação do legítimo sonho comunista em tirania.
EU ACHO QUE: “Um cavalheiro em Moscou” (2024, 8 episódios) é uma minissérie que equilibra à perfeição o drama e o humor, com diálogos excepcionais, que revelam a impotência de um homem bom diante da inexorabilidade da história.
*ONDE ASSISTIR: “Um cavalheiro em Moscou” está disponível no Paramount+. 🪆
UM SOM
Sou fã dos Black Keys desde que os conheci através do genial videoclipe de “Lonely boy”, lá em 2012. As músicas - a um só tempo simples e sofisticadas - atualizam sonoridades e ambiências dos anos 1950 e 1960, ora vigorosas, ora suaves, entre a garagem e o bailinho. O novo álbum, “Ohio players”, traz tudo isso, com participações de Beck e Noel Gallagher, do Oasis - que não apenas tocou e cantou, mas também compôs com o duo norte-americano três faixas: “On the game”, “You’ll pay” e “Only love matters”. Saca aí, ó:
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UM FRAGMENTO
“Mas então, no momento em que eu, atendendo à voz do conhecido, fiz menção de me levantar, senti na palma de minha mão um objeto estranho… Pelo tato, percebi que era um papelzinho. Meu pai era médico, e os médicos só pelo tato reconhecem a qualidade do papel. De acordo com a teoria de Darwin, eu herdei essa capacidade do meu pai, além de muitas outras. No papelzinho eu identifiquei uma nota de cinco rublos. Imediatamente adormeci.
- Bravo, hipnotizador!”
Trecho do conto “Numa sessão de hipnotismo”, do livro “Um negócio fracassado e outros contos de humor”, do escritor russo Anton Tchékhov, que recomendo (mas só àqueles adeptos de histórias corriqueiras, colhidas no dia a dia de uma Rússia burocrática e pré-revolucionária, contadas com adorável ironia). 🇷🇺
UM MICRORRELATO
Era filho de artistas. Queriam que ele fosse também.
Rebelde, montou com os amigos na garagem de casa um coletivo de pedreiros.
Já bateram duas lajes, com relativo sucesso no circuito independente da construção civil.
W. Del Guiducci, do livro “Suíte Cemitério” (2020)
CRONIMÉTRICAS
A crônica desta semana na “Tribuna de Minas” começa assim, ó:
“O negócio de escrever crônica é que você tem que ter hora certa pra isso. Estando submetido à lógica industrial, ao método do produtivismo e ao inapelável prazo, é bom que se estabeleça alguma disciplina. A minha é escrever no domingo, geralmente à noite, quando a casa resta silente, ou então bem cedo, quando as mulheres ainda não se desvencilharam dos lençóis. Optei pela primeira rotina nesse domingo que ora finda, mas, para dificultar minha tarefa monástica, o Flamengo aprontou: sapecou um histórico 6 a 1 para cima do Vasco. ”
O restante você pode ler neste link.
🔊Se preferir escutá-la na voz deste escrevente, é só clicar aí abaixo e será redirecionado para o player.
POSTEI E SAÍ CORRENDO
Lá pelas tantas em “Um cavalheiro em Moscou”, o aristocrata exilado no hotel Metropol, Alexander Ilyich Rostov, está reunido com aqueles com quem compartilha um verdadeiro sentido de comunidade: os funcionários da suntuosa hospedaria. A minissérie, inspirada no livro homônimo de Amor Towles, nos brinda então com o seguinte monólogo, interpretado por Ewan McGregor:
“Onde eu cresci, havia uma lenda antiga de que escondida nas profundezas da floresta havia uma árvore com maçãs negras como carvão. E se conseguisse achar essa árvore e comer o fruto dela, você poderia viver a sua vida de novo, começar a jornada novamente. Pensamento tentador. Quando nós somos jovens, imaginamos as nossas vidas se estendendo diante de nós, um caminho reto como uma flecha pela floresta. Então, na nossa idade, nós olhamos para trás e tudo que vemos são árvores, o caminho há muito tempo obscurecido pelas mudanças e voltas que a vida dá, nós mal reconhecemos a pessoa que já fomos. Mas não há nada que me fizesse comer aquela maçã, porque, embora isso pudesse apagar os erros terríveis e os eventos infelizes da minha vida, isso também desfaria toda a alegria e felicidade que eu tive ao longo do caminho. Os amigos que amei, essa vida maravilhosa pela qual agradeço todos os dias.
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Domingo, de fato, tive uma das exaustões laríngeas mais marcantes.