Tinteiro #012: Juízos sobre o juízo do juiz
Hoje temos impressões sobre a série "Your honor", estrelada por Bryan "Walter White" Cranston, a periferia de Paris em chamas e um cadiquinho de literatura hondurenha
Salve, salve, povo! Carteiro aqui no Tinteiro também passa no feriado, porque o que vale é a oração de São Muricy: “aqui é trabalho, meu filho”! 😉😘
UM FILME
MICROSSINOPSE: Menino morre em circunstâncias suspeitas. Sedento por vingança, o irmão faz de um conjunto habitacional na periferia de Paris campo de batalha onde o conceito de fraternidade será posto a prova.
EU ACHO QUE: “Athena” (Romain Gavras, 2022) é um espetáculo visual, com planos-sequência arrebatadores, e retrata uma França de suas bordas para dentro, trazendo para o centro da atenção a opressão - social, policial - sofrida pelas minorias étnicas.
ONDE VER: “Athena” está disponível na Netflix.🔥
UMA SÉRIE
MICROSSINOPSE: Juiz corretíssimo manda o filho, que acabara de atropelar e matar outro jovem, se entregar, mas logo desiste, porque atropelado também tem pai: no caso, um chefão do crime de Nova Orleans.
EU ACHO QUE: “Your honor” é uma baita série de crime e suspense, que apresenta dilemas morais envolvendo noções de lei, justiça e laços afetivos. Mas se não tivesse nada disso ainda valeria pela presença de Bryan Cranston, a.k.a. Walter White, a.k.a. Heinsenberg, a quem eu, minha casa e minha família servimos cegamente.
*ONDE ASSISTIR: “Your honor” está disponivel no Paramount+. ⚖️
*Na versão original dessa newsletter eu dei a famosa “barrigada”, afirmando que “Your honor” entraria na Netflix no dia 31 de maio. É um pouco verdade, porque de fato entrou lá nos Estados Unidos, mas ainda não no Brasil. Perdoem a falha.
UM SOM
Uma banda não tão popular mas incrivelmente batuta atende pelo nome de Rival Sons. Vai parecer que você está ouvindo um grupo de rock pesado ali de início da década de 1970, mas não: o grupo californiano foi fundado em 2009 e carrega o estandarte do bom e velho rock and roll, com riffs matadores e vocais absolutamente brutais, de deixar o Greta Van Fleet constrangido. Os álbuns mais recentes do Rival Sons (“Darkfighter” e “Lightbringer”) são do ano passado, mas aqui vou sugerir o primeiro que ouvi e considero irretocável, “Great Western Valkyrie”, de 2014.
QUER EM VÍDEO? SACA A RESPONSA DA RAPAZIADA AO VIVO EM 2016.
UM FRAGMENTO
“Em um país distante existiu faz muitos anos uma Ovelha negra.
Foi fuzilada.
Um século depois, o rebanho arrependido lhe levantou uma estátua equestre que ficou muito bem no parque.
Assim, sucessivamente, cada vez que apareciam ovelhas negras eram rapidamente passadas pelas armas para que as futuras gerações de ovelhas comuns e vulgares pudessem se exercitar também na escultura.”
Ficção extraída do livro “A ovelha negra e outras fábulas”, do escritor hondurenho Augusto Monterroso - aqui traduzido pelo não menos genial Millôr Fernandes -, que recomendo (mas só àqueles que possam apreciar a sutil ironia de um fabuloso fabulista, cujo bestiário nos presenteia com inequívoca erudição e mordaz espírito crítico). 🐑
UM MICRORRELATO
No barquinho, Roldão Macário ajudou os mergulhadores no mapeamento do fundo da represa, alagada fazia vinte anos. Orientava-se pelo sol e pelos cumes secos dos morros. Lá a igreja, ali os currais, rua de cima, rua de baixo, tudo casa de peixe agora. Em retribuição e de farra, os bombeiros lhe deram uma aula de mergulho. "Um batismo", eles disseram, sem saber a extrema-unção: na primeira chance que teve, mão no equipamento, Roldão desceu 30 metros até o cemitério, se amarrou ao túmulo de Auxiliadora, apagou a lanterna e ficou lá na escuridão, esperando o ar acabar.
Que nunca fora homem de quebrar promessa.
W. Del Guiducci, do livro “Curto & Osso” (2016)
CRONIMÉTRICAS
Assim começa a crônica desta semana na “Tribuna de Minas”:
“Houve certa vez em uma escola pública de Juiz de Fora um senhor de nome Francisco. Era auxiliar de serviços gerais e de tudo fazia: ajudava na limpeza, na distribuição da merenda, organizava o almoxarifado, consertava mimeógrafo, fiscalizava banheiros e corredores, fazia serviço de banco. Por 50 anos ele desempenhou suas tarefas com alegria e competência. Até que chegou o dia em que, contra sua vontade, Seu Chico foi aposentado. Não mais a varrição das folhas da amendoeira no pátio, tão velha e craquelada quanto ele. ”
O restante você pode ler neste link.
POSTEI E SAÍ CORRENDO
Raptei essa do livro “Romance de asilo”, do chapa André Monteiro:
“Identidades não vivem e não valem suas promessas. No mais, discursos identitários são tautológicos: europeu é europeu, branco é branco, índio é índio, feio é feio, mulher é mulher, bonito é bonito, bom é bom, nordestino é nordestino, africano é africano, mal é mal, oprimido é oprimido, opressor é opressor, centro é centro, margem é margem. Nos discursos identitários, a ‘pureza’ é uma verdade e, em nome dela, a potência multivalente e polifônica dos signos deve ser sufocada.”
A ideia de “pureza” não te dá calafrios?
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