Tinteiro #006: 'Ripley': a culpa é da Itália
Edição traz a série-sensação da Netflix, o filme esnobado pelo Oscar e um cadiquinho de Julio Cortázar
Salve, simpatia! Aí está a nova edição do Tinteiro, embalada com o carinho de quem grava para o outro uma fita K7 com aquelas canções que “nossa, você tem que ouvir”. Continuem escrevendo, é uma alegria receber mensagens e sugestões de vocês! Pra cima!
UM FILME
MICROSSINOPSE: Atriz pede licença para conviver com ex-presidiária cuja vida representará em um filme biográfico. O crime que levou a pérfida em cana: seduzir um adolescente de 13 anos - hoje seu marido, pai de seus filhos.
EU ACHO QUE: É incompreensível (ou nem tanto) o fato de “Segredos de um escândalo” (Todd Haynes, 2023) ter sido desdenhado pelo Oscar (ok, concorreu com roteiro), não só pelas incômodas discussões que suscita, mas também pelas performances soberbas de Natalie Portman e Julianne Moore.
ONDE VER: “Segredos de um escândalo” está (para alugar) no Prime Video.
UMA SÉRIE
MICROSSINOPSE: Estelionatário rampeiro sai de Nova York para pegar um servicinho na Itália e se encanta com a Costa Amalfitana. E quem poderá julgar o rapaz se uma ou outra pessoa tiver que morrer para que ele permaneça vivendo la dolce vita?
EU ACHO QUE: “Ripley” (2024) é uma minissérie cativante, que cresce em tensão à medida que o pilantra de olhos mortos vai se enrolando em suas mentiras. Mas o grande trunfo é a exuberância arquitetônica: cada tomada é uma fotografia arrebatadora em preto e branco.
ONDE ASSISTIR: “Ripley” está disponível na Netflix.
UM SOM
Esta semana eu estive visitando meu amigo Victor “Frango” Fonseca, mundialmente conhecido por ser o baterista do incrível grupo de rock Martiataka (ele também canta em uma outra banda aí, chamada The Basement Tracks). 🐣Frango🐣 tem uma vasta cultura musical, gosta de garimpar discos para discotecar e costuma ter ótimas dicas para educar musicalmente seus amigos. Enquanto botávamos a prosa em dia ele deslizou para a vitrola um álbum de Nick Waterhouse, que parece gravado em 1964, embora o tenha sido em 2012. Saquem aí abaixo a vitamina de bebop, blues, rock e soul, temperada com guitarrinhas jazzy e saxofones gordões.
QUER EM VÍDEO? AÍ O NERDÃO MANDANDO O GROOVE EM UMA EMISSORA DE RÁDIO DE SEATTLE DEZ ANOS ATRÁS.
UM FRAGMENTO
“Quando dão a você de presente um relógio estão dando um pequeno inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. Não dão somente o relógio, muitas felicidades e esperamos que dure porque é de boa marca, suíço com âncora de rubis; não dão de presente somente esse miúdo quebra-pedras que você atará ao pulso e levará a passear. Dão a você — eles não sabem, o terrível é que não sabem — dão a você um novo pedaço frágil e precário de você mesmo, algo que lhe pertence mas não é seu corpo, que deve ser atado a seu corpo com sua correia como um bracinho desesperado pendurado a seu pulso. Dão a necessidade de dar corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que continue sendo um relógio; dão a obsessão de olhar a hora certa nas vitrines das joalherias, na notícia do rádio, no serviço telefônico. Dão o medo de perdê-lo, de que seja roubado, de que possa cair no chão e se quebrar. Dão sua marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras, dão o costume de comparar seu relógio aos outros relógios. Não dão um relógio, o presente é você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio.
Extraído do conto “Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio”, do livro “Histórias de cronópios e de famas”, de Julio Cortázar, o mais parisiense dos argentinos, que recomendo (mas só àqueles que possam apreciar um contista capaz de alinhar fantasias das mais alegóricas a relatos despudoradamente autobiográficos).
UM MICRORRELATO
Muito bobo e meio culpado, para escapar da polícia que lhe acocha no mercadinho, Lindolfo oferece nome falso: é Marlon! O cabo, péssimo soldado e ótimo fisionomista, retruca: com essa cara de Epitácio?
W. Del Guiducci, 19/04/2024
CRONIMÉTRICAS
Assim começa a crônica desta semana na “Tribuna de Minas”:
“Sábado passado pratiquei um dos esportes prediletos do brasileiro: passei a tarde maratonando botequins. Em boa companhia, comi de um tudo: croquete, angu, coxinha, carne seca, pernil. Bebi cerveja e tomei cachaça, sentei em varanda e sentei em calçada, conversei conversa séria e conversei conversa fiada.”
O restante você pode ler neste link.
Se você preferir escutá-la na voz deste escrevente, é só clicar aí abaixo.
POSTEI E SAÍ CORRENDO
Vira e mexe, quando começo a polir demais uma ou outra frase, uma ou outra nota 🎵, me recordo do que li tempos atrás em um livro sobre cinema, de André Bazin:
"… é útil não examinarmos apenas obras acabadas, mas também os esboços e notas em que os artistas esforçam-se para gravar suas primeiras impressões vívidas e imediatas.
Por esta razão, um esboço é frequentemente mais vivo do que a tela acabada”
E então penso o quanto de espontaneidade pode se perder na infinita tarefa de dar demasiado lustro ao que quer que seja.
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Agora tô em dia, atualizado!!Tá demais isso aí Wendel!!👏👏👏
Adorando o Tinteiro!