Tinteiro #003
Um tesouro japonês chamado "Monster", o apuro insuspeito de "The Wire" e os 50 anos do mais popular álbum de Raul Seixas
Olá, gente querida! Feriado nebuloso, miou a praia, melou o churrasco, o sofá chama, a cama irresistível… troquemos impressões sobre as coisas bonitas de que ainda somos capazes. Boa leitura e mandem mensagens para esse velho escrevente!
UM FILME
MICROSSINOPSE: Minato acredita que seu cérebro foi trocado pelo de um porco. Certa de que o filho sofre bullying, a mãe vai à escola tirar satisfação e descobre, a conta-gotas, que não conhece o menino tão bem quanto imagina.
EU ACHO QUE: “Monster” (Kore-Eda Hirokazu, 2023) foi um dos melhores filmes a que assisti este ano. Vai te conquistando aos pouquinhos, à medida que diferentes pontos de vista e digressões vão desdobrando as verdades que constituem o mistério em torno do comportamento de Minato, de seu professor Hori e de seu colega Yori.
ONDE VER: “Monster” está no Globoplay.
UMA SÉRIE
MICROSSINOPSE: Na violenta Baltimore, a vida (de policiais, traficantes, estivadores, professores, políticos, repórteres) não vai muito além disso: a certeza da danação e, com sorte, de alguma redenção.
EU ACHO QUE: “The Wire” (2002-2008) é brabíssima. É fácil se enredar na teia de relações entre policiais de moral elástica, políticos corruptos e outros criminosos com princípios peculiares. A ponto de você estar andando pelas ruas da sua cidade e estranhar não esbarrar com aqueles camaradas e esquinas que já lhe são tão familiares.
ONDE ASSISTIR: As cinco temporadas estão disponíveis na Max (antiga HBO).
UM SOM
Uma pá de álbuns fantásticos completam 50 anos em 2024. “Second helping” (o primeiro do Lynyrd Skynyrd com três guitarristas), “Burn” (o primeiro de David Coverdale com o Deep Purple), “It’s only rock n’ roll” (Rolling Stones), “Diamond dogs” (David Bowie), “A tábua de esmeralda” (Jorge Ben), “On the beach” (Neil Young, que acaba de se render, contrariado, ao Spotify e autorizar a entrada de sua discografia na plataforma). Da safra 1974, escolhi para embalar esta newsletter “Gita”, de Raul Seixas. É o álbum mais popular de Raul, talvez o ápice de sua parceria com Paulo Coelho (ao lado de “Novo Aeon”, de 1975) e pedra incontornável da música popular brasileira, doa a quem doer. De presente de aniversário, merece nossa audição mais atenta.
QUER EM VÍDEO? AÍ O CLIPE OFICIAL DE “GITA”, SUPRASSUMO DO CROMA KEY.
UM FRAGMENTO
Como pode perceber, sou bastante racional para observar meus sentimentos de certa distância, destacá-los. No entanto, sigo-os. E crio, com eles, novas construções. Mais do que me proporcionarem o prazer algo insatisfatório da simples imaginação, são como obras que preciso edificar.
Extraído do conto “Uma carta”, do livro “O monstro” (1994), de Sérgio Sant’Anna, a quem (azar meu) não conhecia até semana passada e recomendo (mas somente àqueles afeitos a cenas de violência algo desconcertantes e a cenas de sexo elegantemente descritas, e não só isso).
UM MICRORRELATO
Pego com 167 papelotes de cocaína e 65 buchas de maconha, Derson alega que é para consumo próprio. A polícia não acredita, pois não o conhece muito bem.
W. Del Guiducci, 29/03/2024
POSTEI E SAÍ CORRENDO
Na última temporada da supracitada “The Wire”, há um núcleo jornalístico sediado no “The Baltimore Sun”. É 2008, o jornal está em maus lençóis com o avanço da internet, a queda de assinantes e a fuga de anunciantes. Dois veteranos jornalistas conversam em um bar.
TWIGG - Escolhemos mal, Gus. A essa altura, não haverá o que ser chamado de jornal em breve.
GUS - Meu pai trabalhou na Armco, sabe? Toda manhã, antes de sair, ele se sentava à mesa e lia o jornal, tomando café. Ninguém podia interrompê-lo naqueles 15 minutos antes de ele se retirar. Lembro-me de observá-lo e pensar “que diabo é tão importante naquele jornal? Quero fazer parte disso”. Aí, quis trabalhar em jornal.
TWIGG - Um dia, eu matava aula, em Patterson. Havia um homem no ônibus dobrando o jornal assim [mostra como o homem dobrava o jornal delicadamente]. O modo como o sujeito o dobrou e se concentrou em ler as páginas… fizeram-no parecer o mais esperto no ônibus. Foi um momento especial.
Puxa, deve ter sido. Como deve.
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Oi Del. Já pegava dicas suas pelas redes. Assim está mais fácil e ainda dou umas risadas com as pílulas do dia a dia.